Informalidade, terceirização e pandemia: um estudo com costureiras de Pão de Açúcar-PE


Informality, Outsourcing and Pandemic: A Study with Sewers of Pão de Açúcar-PE




ROSELI DE FÁTIMA CORTELETTI

ÊMILYS THAYNARA DOS SANTOS SILVA

Universidade Federal de Campina Grande, Brasil




Resumo

O objetivo deste trabalho é contribuir com o debate atual em torno da informalidade e da terceirização, bem como analisar estratégias de reprodução social criadas para enfrentar a pandemia, entre costureiras domiciliares no distrito de Pão de Açúcar-Taquaritinga do Norte-PE. Faz parte da metodologia uma revisão bibliográfica sobre os conceitos abordados e uma pesquisa com 14 costureiras, via WhatsApp, realizada no ano de 2021. Entre os principais resultados, destacamos que as formas flexíveis de trabalho, aparecem de braços dados com a precariedade das condições de trabalho. Vimos também que durante a pandemia, com o fechamento dos pontos de comercialização de roupas, as confeccionistas foram levadas a comercializar suas mercadorias nas ruas, como foi na origem do Polo, porém agora as mercadorias são expostas nos porta malas dos carros ou em pequenas barracas. Prática que continua até os dias atuais.

Palabras clave: informalidade; terceirização; pandemia da Covid-19; trabalho domiciliar; polo de confecções do Agreste Pernambucano.




Abstract

The objective of this work is to contribute to the current debate around informality and outsourcing, as well as to analyze social reproduction strategies created to face the pandemic, among home seamstresses in the district of Pão de Açúcar-Taquaritinga do Norte-PE. Part of the methodology is a literature review on the concepts addressed and a survey with 14 seamstresses, via WhatsApp, carried out in the year 2021. Among the main results, we highlight that flexible forms of work appear hand in hand with the precariousness of working conditions. job. We also saw that during the pandemic, with the closing of clothing sales outlets, clothing manufacturers were forced to sell their goods on the streets, as it was at the origin of the Polo, but now the goods are displayed in the trunks of cars or in small stalls. A practice that continues to this day.

Keywords: informality; outsourcing; Covid-19 pandemic; home work; Agreste Pernambucano clothing center.









As mudanças do mundo do trabalho foram acentuadas no Brasil, a partir dos anos 90, com a chegada da globalização econômica e financeira, da reestruturação produtiva e da implantação das políticas neoliberais, pelo governo Collor. Com isso, houve um impacto na economia nacional, com privatizações, desregulamentação do mercado de trabalho e fechamento de muitas empresas nacionais que não conseguiram se manter competitivas no mercado, enquanto outras foram levadas a migrar para regiões periféricas do país em que havia maiores possibilidades de isenções fiscais por parte dos governos estaduais e municipais. Os setores de confecções, têxtil e o calçadista estão entre os que mais foram atingidos nesse processo.

Nos últimos anos, estamos assistindo a um aumento acentuado do desemprego, principalmente após a crise econômica que teve início nos anos 2014-2015, que se intensificou com a Reforma Trabalhista e com regulamentação da terceirização realizada no ano de 2017, que, ao invés de gerarem empregos, promoveram o aumento da informalidade, da terceirização, do trabalho em domicílios, do trabalho intermitente, do teletrabalho e várias outras formas de trabalhos por aplicativos, as quais geralmente são marcadas pela precariedade ou precarização das condições de trabalho, devido aos baixos salários pagos, intensificação da jornada de trabalho, instabilidade profissional e, em muitos casos, ausência ou diminuição dos direitos sociais.

Com a chegada do novo coronavírus no Brasil, na segunda quinzena de março de 2020, temos uma crise sanitária, sem precedentes, e uma intensificação da crise social, política, econômica, que atinge principalmente as pessoas pobres, negras, trabalhadores/as informais e mulheres, ou seja, as pessoas mais vulneráveis. Com isso, torna-se importante conhecer e analisar as realidades sociais que foram extremamente afetadas com a pandemia e as demais crises em andamento, como é o caso do trabalho informal da região do Polo de Confecções do Agreste Pernambucano, que teve sua origem por volta de 1950. O Polo de Confecções do Agreste Pernambucano é formado pelas cidades Santa Cruz do Capibaribe, Toritama e Caruaru, que são as principais cidades, mas, de acordo com Pereira Neto (2013), é possível localizar fabricos e facções em muitos municípios situados na região do agreste pernambucano, como é o caso de Pão de Açúcar, distrito de Taquaritinga do Norte. O Polo se desenvolveu a partir das Feiras Populares e das Feiras da Sulanca, as quais se estabeleceram em função das necessidades de sobrevivência e de consumo da população da região. O nome “Sulanca” teve origem na palavra helanca + sul (retalhos em malha que eram trazidos por caminhoneiros que viajavam para São Paulo, transportando mercadorias, e no retorno traziam retalhos, os quais eram utilizados para confeccionar inicialmente colchas de retalhos, e mais tardes pequenas peças populares, com baixo valor agregado). Atualmente, o Polo tornou-se um grande aglomerado de pequenas unidades produtivas e é considerado o segundo maior Polo de confecções do Brasil, ficando atrás somente do Polo de São Paulo. Caruaru, Toritama e Santa Cruz do Capibaribe são as principais cidades e se destacam pelo modelo de empreendedorismo baseado no trabalho informal, terceirizado e familiar/domiciliar, mas com possibilidades de ganhos salariais mais elevados se comparados com trabalhadores/as contratados/as formalmente, com carteira assinada, nas empresas da região.

Segundo Veras de Oliveira (2013, p. 271), as configurações atuais do Polo não substituem as anteriores, mas novas dinâmicas se interpõem, “no lugar do sulanqueiro, o confeccionista/empreendedor, no lugar da feira, o centro comercial e assim por diante”. Para o autor, “uma nova conformação vai nascendo dentro de uma antiga, sem que esteja sendo sumariamente substituída por aquela”. Existem elementos totalmente novos, advindos com o desenvolvimento dos grandes centros comerciais e com a chegada das novas tecnologias usadas no processo de confecção, utilizado por empresas com maior capital de giro, bem como o uso de aplicativos como WhatsApp para comercialização, marketing e venda das peças produzidas, o que principalmente com a chegada da pandemia tem ganhado grande acessibilidade através das redes sociais.

O objetivo deste trabalho é contribuir com o debate atual em torno dos conceitos de formas flexíveis de assalariamento, como é o caso da informalidade e terceirização. Além disso, buscamos, através de pesquisa empírica, analisar as estratégias de reprodução social adotadas para o enfrentamento das consequências da pandemia da Covid-19, nas relações de trabalho das facções domiciliares de Pão de Açúcar, distrito de Taquaritinga do Norte-PE. Salientamos que este trabalho é uma continuação de estudos e trabalhos realizados para a pesquisa “Trabalho e Globalização periférica: um estudo comparativo em três setores produtivos”, coordenada pelo Prof. Jacob Carlos Lima-UFSCar/CNPq (2020), os quais foram desenvolvidos em Santa Cruz do Capibaribe-PE. Para fins deste artigo, foi realizada uma atualização no referencial teórico e uma pesquisa de campo inédita, com costureiras do distrito de Pão de Açúcar, situado próximo ao município de Santa Cruz do Capibaribe-PE.

Faz parte da metodologia, além de uma revisão bibliográfica sobre os conceitos de informalidade e terceirização, uma pesquisa com a realização de 14 entrevistas, via WhatsApp, onde buscamos conhecer a realidade socioeconômica e o perfil de costureiras faccionistas e proprietárias de pequenas unidades produtivas domiciliares informais. Analisamos aspectos como: reflexos da pandemia na vida e nas condições de trabalho, tipo de vínculo no trabalho, processo de produção, aspectos positivos e negativos do empreendimento, nível de satisfação, comercialização das confecções produzidas e planos para o futuro profissional. Para fins deste artigo, buscamos evidenciar as consequências da pandemia sobre o trabalho informal e terceirizado, e as estratégias de reprodução social criadas pelas confeccionistas para enfrentar o momento de crise financeira acentuada com o fechamento dos principais pontos de comercialização das roupas no Polo.

Sendo assim, na primeira parte deste trabalho, discutiremos, através da literatura atual na área da Sociologia do Trabalho, os conceitos e significados da informalidade e da terceirização nas relações de trabalho, e, num segundo momento, analisaremos a realidade estudada, dando ênfase nas estratégias desenvolvidas, pelas confeccionistas de pequenas facções, para enfrentar os dilemas da pandemia e das normas de distanciamento social adotadas a partir do mês de março de 2020.

Os significados da informalidade

Com a reestruturação produtiva, abertura econômica para a globalização e ampliação das políticas neoliberais, nos anos 90, ocorreu, no Brasil, uma forte recessão econômica, com aumento acentuado do desemprego e desregulação do mercado de trabalho. Tendo que enfrentar a crise, as empresas passam a desenvolver “novas” formas de gestão do trabalho e de organização da produção, e o trabalho flexível passa a ser utilizado como estratégia para diminuição dos custos com contratação da força de trabalho, como é o caso da terceirização, da subcontratação, do trabalho em domicílio, entre outras. Com isso, houve um aumento acentuado da informalidade nas relações de trabalho.

Essas mudanças econômicas, políticas, culturais e sociais passam a demandar reflexões mais aprofundadas sobre as novas questões relacionadas ao mundo do trabalho, em especial sobre as formas flexíveis de assalariamento baseadas em relações informais, com contratos atípicos e precários, advindos desta “nova” cultura organizacional do trabalho, decorrente da atual fase do capitalismo, denominada por Harvey (2006) de acumulação flexível do capital, também chamada por alguns autores de pós-fordismo ou Toyotismo, e que, segundo Leite (2009), podem ser traduzidas em “estratégias empresariais de acumulação e fragmentação do trabalho organizado” (p. 68). De acordo com Harvey (2006), a acumulação flexível “se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional” (Harvey, 2006, p. 140).

Sendo assim, torna-se importante analisar os vários significados da informalidade, partindo da origem do conceito, o qual foi, desde o início, marcado por um debate polêmico, mas que buscava uma aproximação com a realidade socioeconômica da época. Ver mais em Leite (2009), Lima (2010), Araújo e Lombardi (2013). O debate surge no final dos anos 60, quando a OIT (Organização Internacional do Trabalho) criou o Programa Regional del Empleo para América Latinay el Caribe (Prealc), no qual foram desenvolvidos estudos que visavam propor alternativas de emprego e renda, bem como de melhorias das condições de trabalho. Segundo Krein e Proni (2010), esses estudos da OIT eram influenciados pelo pensamento da CEPAL (Comissão Econômica para a América latina e Caribe), a qual defendia que:

o crescimento econômico não vinha sendo suficiente, nos países economicamente atrasados ou subdesenvolvidos de um modo geral, para universalizar as relações de assalariamento e estruturar um mercado de trabalho homogêneo, que pudesse propiciar remunerações adequadas para melhorar as condições sociais das camadas populacionais que continuavam vivendo em condições de pobreza absoluta e marginalidade social. (Krein & Proni, 2010, p. 9)

De acordo com Krein e Proni (2010), o Prealc evidenciou que a estrutura produtiva era formada de forma dual. Por um lado, havia o setor formal, onde os trabalhadores/as possuíam contrato regulamentado de trabalho, através da carteira assinada, com direitos sociais garantidos pela legislação, e, por outro lado, o setor informal, que abrigava trabalhadores/as desprotegidos/as de uma regulamentação salarial. O primeiro era considerado como o setor moderno da economia e o segundo como atrasado e que servia de “colchão amortecedor” para absorver a força de trabalho desempregada, menos qualificada e excluída do mercado de trabalho (Krein & Proni, 2010, p. 10). Além disso, segundo o Prealc, o setor informal era formado por dois subsetores. Um superior, com pequenos empreendedores que empregavam até nove trabalhadores e que poderiam vir a se formalizar, e outro inferior, formado por aqueles pequenos produtores com baixo grau de produtividade e baixa qualificação, chamado de “núcleo irredutível” do setor informal. Independentemente das fronteiras entre um e outro subsetor, o desenvolvimento de políticas públicas seria imprescindível

Nos anos 70, em publicação da OIT, a discussão aparece relacionada ao conceito de “economia informal”. O objetivo da publicação era de aprofundar os conhecimentos sobre o mercado de trabalho, para combater as desigualdades e a exclusão social. Entretanto, o conceito de “setor informal” surge do resultado do processo de urbanização e foi balizado em estudo sobre o Quênia, no ano de 1972, onde as atividades informais foram avaliadas como um setor em expansão e que envolvia empresas e trabalhadores dedicados “na produção de bens, na prestação de serviços pessoais ou no pequeno comércio” (Salas, 2003 apud Krein & Proni, 2010, p. 9).

Com mudanças no mundo do trabalho, no final dos anos 80, por meio da reestruturação produtiva e da acumulação flexível os estudos sobre informalidade se tornaram mais complexos e algumas tendências foram destacadas. Por um lado, às transformações provocadas pela globalização da economia, com as descentralizações das empresas, intensificaram o uso a terceirização ou subcontratação de empresas e da força de trabalho. Os autores destacam ainda a existência de outra tendência, a qual estaria relacionada com a chamada “economia subterrânea”, conceito muito relacionado à ilegalidade devido ao não pagamento de impostos em função dos custos, bem como dos custos com o pagamento dos direitos sociais dos/as trabalhadores/as. Entretanto, segundo os autores não foi possível construir um consenso sobre o uso dos termos “setor informal”, “trabalho informal” e “economia informal”. Somente no ano de 2002, na 90ª Conferência Internacional do Trabalho, a informalidade passou a ser analisada mais amplamente, contemplando toda sua heterogeneidade, através da adoção do termo “economia informal”, classificada em seis grupos de trabalhadores/as (Krein & Proni, 2010 apud Corteletti & Milanês, 2021): a) trabalhadores independentes típicos (microempresa familiar, trabalhador em cooperativa, trabalhador autônomo em domicílio); b) “falsos” autônomos (trabalhador terceirizado subcontratado, trabalho em domicílio, trabalhador em falsa cooperativa, falsos voluntários do terceiro setor); c) trabalhadores dependentes “flexíveis” e/ou “atípicos” (assalariados de microempresas, trabalhador em tempo parcial, emprego temporário ou por tempo determinado, trabalhador doméstico, “teletrabalhadores”); d) micro empregadores; e) produtores para o autoconsumo; e f) trabalhadores voluntários do “terceiro setor” e da economia solidária. (Krein & Proni, 2010, p. 12)

Na mesma linha para Cacciamali (2002 apud Krein & Proni, 2010), é preciso tratar a informalidade como um “processo” que relaciona as mudanças ocorridas através de reestruturação produtiva e “novas” formas de organização do trabalho assalariado, como a terceirização, trabalho em domicílio, trabalho por conta própria, trabalho parcial, entre outras tendências de trabalho flexível derivadas da atual fase de acumulação capitalista. Diante desse cenário de mudanças no trabalho e desregulamentação do mercado de trabalho, surge uma abordagem denominada de “nova informalidade”, e as discussões sobre setor formal e setor informal perdem importância. De acordo com Araújo e Lombardi (2013),

As mudanças na informalidade, sua crescente heterogeneidade e suas relações com as atividades da economia formal têm sido analisadas por estudos recentes pela noção de “nova informalidade”. Esse conceito surge inicialmente nos trabalhos do espanhol Juan Pablo Perez-Sainz (1995, 1996), que trata de um conjunto de transformações que criam a necessidade de repensar a informalidade. (Araújo & Lombardi, 2013, p. 7–8)

De acordo com Araújo (2011), no ano de 1972, no Quênia, a OIT relacionou o setor informal, que apresenta uma produção de pequena escala, com o baixo desenvolvimento tecnológico e trabalho domiciliar, e com trabalhadores que executavam atividades instáveis, sem registro em carteira e sem direitos sociais, ou seja, a discussão do informal aparece relacionada com a ausência de regulação na forma de assalariamento.

No Brasil, segundo Araújo (2011, p. 163), a problemática da informalidade aparece na literatura da sociologia do trabalho relacionada à “marginalidade e população marginal, que assegurava sua sobrevivência em atividades situadas fora da relação salarial”. Essas atividades caracterizavam-se pelas precárias condições de trabalho e envolviam a população considerada excedente, não absorvida pelo mercado de trabalho tradicional. Para a autora, pensava-se “em termos de uma dicotomia entre o moderno e o atrasado”. De um lado, o setor formal, com trabalho regulamentado e moderno, e, de outro, o setor informal, desregulamentado, atrasado e arcaico. Entretanto, para outros autores, existe uma relação de interdependência entre os dois mundos, a exemplo de Francisco de Oliveira, que faz a crítica à visão dualista e defende uma relação dialética entre o arcaico e o moderno, ou seja, para este autor, o processo de acumulação global introduz “relações novas no arcaico e reproduz relações arcaicas no novo” (Oliveira, 2003, p. 60).

Nos anos 80 e 90, no Brasil, o debate sobre a informalidade ganhou destaque. Para diminuir os custos e aumentar os lucros as empresas passaram a adotar “novas” formas de gestão do trabalho e organização da produção, e o trabalho flexível passou a ser amplamante utilizado, como é o caso da terceirização, da subcontratação e do trabalho em domicílio. Com isso, houve um aumento acentuado da informalidade em geral. Entretanto, vale salientar que, no Brasil, por ser um país de economia periférica, as formas flexíveis de trabalho sempre foram conhecidas, desde a formação inicial do mercado de trabalho, por isso são analisadas por alguns autores como velhas formas de exploração da força de trabalho.

Atualmente, a informalidade vem sendo ressignificada. Segundo Lima (2013), a “nova” informalidade” é um conceito muito útil, porque consegue captar as tendências mais recentes do mercado de trabalho, assim como as dinâmicas das atividades de trabalho desregulamentadas. Ele chama atenção para a necessidade de adequar o conceito de “nova informalidade”, no sentido de incorporar a dinâmica das mudanças do capitalismo globalizado, relacionadas tanto à desregulação econômica e flexibilização das relações de trabalho, como também “à desterritorialização da produção e internacionalização dos mercados” (p.1). O autor defende esta ideia, pois, segundo ele, as relações entre a economia formal e a economia informal “formam um continuum com fronteiras imprecisas” (p. 1).

Inclui o auto emprego em empresas informais, os empregadores, os trabalhadores por conta própria e os membros da família que trabalham sem remuneração ou remuneração casual, trabalhadores de empresas informais, diaristas, domésticos e industriais temporários, por tempo parcial, prestadores de serviços eventuais e terceirizados em empresas ou oficinas informais e formais, e aqueles trabalhadores domiciliares (Lima, 2013, p. 1).

De acordo com Rangel e Corteletti (2022, p. 16),

A informalidade que marcou o início dessa produção e foi condição para seu desenvolvimento, continua presente e com o mesmo papel de colaborar para a maior competitividade do polo. Atualmente, existem empresas bem constituídas de pequeno e médio porte, mas os fabricos e facções ainda representam a maioria das unidades produtivas. A produção em larga escala, o trabalho feminino, familiar, domiciliar, sem nenhum tipo de regulação, permanecem aspectos ordinários e caracterizam o empreendedorismo por necessidade que ali vigora (Artigo no prelo).

Segundo Corteletti (2020), na realidade estudada da região do Polo de Confecções do Agreste Pernambucano, a informalidade assume diferentes configurações e é vista como estratégia positiva de reprodução social das famílias envolvidas nas confecções de roupas. Nas palavras da autora, “constata-se que existe, no local, uma cultura voltada para o autoempreendedorismo, ainda que o negócio seja de pequeno porte e informal” (p. 94).

Leite & Lindoso (2022) analisando a disseminação e incentivos ao empreendedorismo na atualidade salientam,

a difusão do “empreendedorismo” na atualidade tem a ver, de um lado, com o aumento da pobreza e da procura acentuada de alternativas de sobrevivência da população, no quadro de baixa oferta de empregos, e, de outro lado, com uma busca desenfreada do capital para não pagar mais os direitos trabalhistas (...) É a essa realidade, muito mais do que a qualquer espírito “empreendedor” da população, que se deve o grande aumento do trabalho por conta própria, assim como a ressignificação e glamourização de formas inventivas de viver de populações periféricas. Essas formas estiveram historicamente presentes, mas se expandem substancialmente na contemporaneidade, mediante a difusão de velhas e novas formas de trabalho, ao mesmo tempo em que a ideologia assume papel central em sua defesa. (p. 4-5)

Desta forma, a informalidade, a terceirização, a subcontratação e o trabalho domiciliar fazem parte das relações flexíveis do trabalho na costura e produção de confecções desde a origem do Polo, até a atualidade, como estratégia de reprodução social encontrada para o modelo de empreendedorismo informal, baseado nas necessidades de sobrevivência, que vem sendo desenvolvido na região.

Terceirização como estratégia de redução dos custos

A terceirização e subcontratação são bem antigas no Brasil e no mundo. Já existiam na fase que antecedeu o capitalismo. Entretanto, com a aprovação da regulamentação da terceirização, no ano de 2017, essa prática passou a ser amplamente utilizada tanto nas atividades fins, quanto nas atividades meio, de empresas públicas e privadas, e também no setor agrícola. Na realidade estudada, essas práticas são bem antigas e as reformas regulamentaram as atividades flexíveis de trabalho que já existiam, desde o início do desenvolvimento do Polo.

De acordo com o DIEESE (2014), o principal objetivo das empresas com a terceirização é a redução de custos da empresa contratante. E pode ser aplicada em qualquer atividade das empresas/instituições, sendo diferenciada nas atividades relacionadas à prestação de serviços, que são as atividades meio. As atividades meio podem ser caracterizadas por ser uma atividade de apoio na produção e/ou de serviços, como: atividades de limpeza, restaurante, segurança e recepção. A atividade fim é considerada de grande importância para a produção final e requer uma qualificação profissional mais elevada dos/as trabalhadores/as, como, por exemplo, a de professor/a de universidade, de engenheiro/as, entre outras atividades consideradas nucleares pelas empresas/instituições.

Os empresários utilizam em seus discursos que a terceirização moderniza a empresa, melhora a qualidade da produção e, ainda, que seria um instrumento importante de geração de emprego e renda, assim como o discurso utilizado para aprovação da Reforma Trabalhista, realizada no ano de 2017. No entanto, todos esses aspectos citados como positivos para os empresários resultam em aumento da precarização das condições de trabalho e exploração da força de trabalho.

De acordo com Corteletti (2020), a informalidade e a terceirização são utilizadas no Polo como modelos de empreendedorismo e autonomia no processo produtivo, como forma de aumentar os lucros da produção. Contudo, vale destacar que essas práticas flexíveis, na região estudada, assumem diversas e complexas formas, como demonstraremos mais adiante através da análise das condições de trabalho relatadas pelas faccionistas entrevistadas.

Através do uso da terceirização, não precisam ter sob o controle a produção de todas as etapas da produção, o que lhes permite enxugar os custos. Muitas vezes a facção terceiriza para outra facção que fica situada na mesma rua, e o transporte das peças é realizado de moto ou mesmo de bicicleta. Outras vezes a facção terceirizada pode também estar localizada em uma área rural da região. A terceirização é mais utilizada pelas empresas de pequeno e médio porte e pelos fabricos, mas também por facções de maior porte que externalizam etapas da costura para facções que trabalham como terceirizadas por ainda não possuírem uma marca própria e por serem unidades produtivas domiciliares de pequeno porte, as quais possuem, em média, de um/a a três trabalhadores/as. Fabricos são unidades produtivas informais que funcionam dentro das próprias casas ou em uma extensão da mesma, como na garagem. O trabalho tem base familiar e as contratações são realizadas informalmente através das relações de parentesco ou amizades. Os fabricos são caraterizados por fazerem todas as etapas do processo produtivo, mas também podem faccionar alguma das etapas da costura. Facções são pequenas unidades produtivas que funcionam dentro do espaço doméstico, onde o trabalho é especializado apenas em uma etapa do processo de produção das confecções. Normalmente recebem a peça cortada e fazem o fechamento da peça. Muitas vezes, outra facção se responsabiliza pelos acabamentos e embalagem das peças. Verificamos que existem facções que possuem marca própria e se responsabilizam pela modelagem e pelo corte, terceirizando as demais etapas da produção. Verificamos que as facções que trabalham como terceirizadas também subcontratam pessoas para trabalharem dentro da facção ou fora, se a pessoa possuir as máquinas necessárias. Constatamos também que existe, na atualidade, uma tendência das empresas de maior porte de buscar o trabalho terceirizado em facções situadas nas áreas rurais, como forma de baratear os custos das confecções e aumentar os lucros.

Analisando o trabalho no Polo, Burnett (2014) destaca a marcante informalidade presente nas facções e fabricos de costura na região do agreste pernambucano, e a relaciona ao “processo de acumulação do capitalismo latino-americano”, onde, com o desenvolvimento do capitalismo tardio, a força de trabalho brasileira, nordestina e do agreste pernambucano, se estruturou de forma que tivesse maiores vantagens aos que possuem grande capital. Sendo assim, desde o início do Polo, a informalidade, a terceirização, o trabalho domiciliar e a produção em série, nos moldes tayloristas/fordistas, vêm sendo utilizadas como estratégias para produção de peças de vestuário populares, com menor valor agregado.

Segundo Pereira Neto (2013, p. 169), “os fabricos e facções representam a maioria das unidades produtivas de Santa Cruz do Capibaribe”. Contudo, existem também empresas formais maiores, que em geral possuem mais de 60 funcionários. Atualmente, existe uma tendência significativa destas empresas ou de fabricos maiores contratarem trabalho terceirizado informal nas facções domiciliares urbanas, bem como em facções situadas nas áreas rurais, envolvendo o trabalho domiciliar familiar, nas quais o contratante encontra possibilidade de aumentar seus lucros através da diminuição dos custos.

Como nas áreas rurais existe pouca ou nenhuma possibilidade de trabalho e renda, as costureiras/os faccionistas acabam aceitando o valor que lhes é oferecido, em função das necessidades de sobrevivência da família. A experiência na habilidade com a costura é aprendida de forma coletiva, de geração para geração. Inclusive, muitas famílias da zona rural acabam abandonando as atividades agrícolas e passam a se inserir totalmente no mundo das confecções.

De acordo com Milanês (2015), os acordos de trabalho estabelecidos entre o contratante e costureiras são bem diversificados e são, na maioria das vezes, informais. Atualmente os termos mais utilizados para definir os acordos é terceirização ou subcontratação, os quais não são sinônimos. A terceirização ocorre quando uma empresa, fabrico ou facção de maior porte, terceiriza externamente etapas do processo de confecção das peças. Normalmente, a relação de terceirização é estabelecida entre fabricos e facções, ou seja, as facções de menor porte trabalham como terceirizadas para fabricos ou empresas de maior porte. Já a subcontratação ocorre quando uma facção que trabalha como terceirizada subcontrata outras costureiras para realizarem determinadas etapas da confecção das peças, podendo ser no interior da facção ou em sua própria casa.

Produção e comercialização de roupas em Pão de Açúcar: tendências atuais

Pão de Açúcar é o segundo distrito da cidade de Taquaritinga do Norte, localizada no agreste pernambucano, Taquaritinga do Norte é a primeira cidade, logo após a divisa dos estados da Paraíba e Pernambuco, seguindo a BR 104, no sentido de Caruaru. É conhecida como a cidade do café por sua forte produção de café orgânico e também pela produção de confecções para serem comercializadas no comércio popular das principais cidades do Polo do Agreste Pernambucano e região. Segundo os dados do último censo, realizado pelo IBGE, em 2010, a cidade possuía cerca de 25.000 habitantes e, através de estimativas realizadas, chegaria a 30.000 habitantes em 2021. Em 2019, o salário médio mensal dos trabalhadores formais era de 1,5 salários mínimos, tendo cerca de 10% da população formalmente ocupada neste período, em relação à população total. Os demais sobrevivem das atividades informais e terceirizadas, utilizadas principalmente na confecção de roupas de baixo valor agregado.

Diferentemente dos demais distritos da cidade, Pão de Açúcar fica a 11,1 Km da cidade de Taquaritinga do Norte e é o único que fica às margens da BR-104 e PE-160, portanto é um distrito que tem bastante visibilidade e movimento de pessoas de outras localidades, sendo localizado entre as cidades de Santa Cruz do Capibaribe e Toritama. Segundo Monicky Araújo, do blog Filadelfia FM, em 2010 o distrito possuía cerca de 12 mil habitantes, e sua economia é baseada principalmente na produção de confecção de vestimentas sem restrição de idade, tamanho, sexo e tipo de tecido, há também na localidade fábricas de mosquiteiros, roupas para cama, mesa e banho. No entanto, o maior destaque é na confecção de camisas masculinas, inclusive, no ano de 2010, recebeu o título de capital da camisaria.

Sendo um distrito visivelmente promissor no ramo das confecções, Pão de Açúcar vem se tornando alvo das migrações intrarregionais e intraurbana, e, no período pandêmico entre 2020 e 2021, a chegada de novos moradores se intensificou. Com as medidas restritivas, houve o fechamento dos polos de Santa Cruz do Capibaribe e Toritama, portanto nesse período os confeccionistas tiveram que mudar o modo como viam o setor, assim como a modo de comercializar suas mercadorias, sendo a forma mais comum e desejável a venda online, porém, como forma extra de venda, os confeccionistas da região viram na BR e outras avenidas de Pão de Açúcar, um bom lugar para venda externa, por motivos de ser uma região central entre Toritama, Taquaritinga do Norte e Santa Cruz do Capibaribe.

A produção é realizada principalmente em facções domiciliares e informais. Desde metade do ano de 2020 até os dias atuais, é bem comum ver em dias como domingo e segunda-feira (dias de feira) pessoas de outras cidades, em seus automóveis, expondo suas mercadorias na entrada do distrito. Mesmo depois da abertura do Moda Center de Santa Cruz para a população e vendedores, alguns comerciantes continuam com suas vendas no distrito, pois alegam que, apesar das dificuldades encontradas como calor, chuva, não ter ponto fixo, a visibilidade nas ruas ainda é maior que nos shoppings populares, por conta da aglomeração de confeccionistas e também por não ter que pagar aluguel dos boxes de vendas, como acontece no Moda Center de Santa Cruz do Capibaribe, no Parque das Feiras de Toritama e no Polo de Confecções de Caruaru, conforme pode ser visualizado nas fotografias a seguir:



Figura 1. Pão de açúcar em dia de domingo; vendas nos carros



Da mesma forma, alguns produtores locais, depois do início da pandemia, abriram em suas garagens pontos de venda de suas marcas, outros montaram seus próprios bancos de exposição, e outros ainda preferem expor suas mercadorias em cima de um pano colocado no chão, criando assim um pequeno aglomerado de vendedores que se estendem por quase 500 metros, da entrada de Pão de Açúcar até o posto de combustíveis Ferreira, cujo estacionamento também é usado para venda de roupas. As peças vendidas nesse aglomerado são jeans, peças íntimas masculinas e femininas, roupa infantil, camisas, moda praia e até calçados do dia a dia.



Figura 2. Pão de Açúcar em dia de domingo; vendas nos bancos



De todas as maneiras, o objetivo desses confeccionistas é o mesmo, conseguir chamar a atenção de possíveis clientes e assim contornar os problemas financeiros causados principalmente pela crise econômica e aprofundado pela pandemia. Aproveitando o grande movimento de excursões para Santa Cruz do Capibaribe (nas segundas) e Toritama (nos domingos), alguns confeccionistas chegam por volta das 6:30h da manhã do domingo e voltam para suas casas a partir das 10h, enquanto outros acabam ficando até às 17h do mesmo dia. Esse grupo que fica até às 17h é formado por representantes de lojas de marcas relativamente conhecidas no mercado da região e que já se estabeleceram no local, oferecendo inclusive trabalho formal para a população, como é o caso das lojas de camisaria Tribuus d’ Guerra, Atraídos e Lobo Feroz, mas também pequenos vendedores de jeans. Na segunda-feira, diferentemente do domingo, poucos confeccionistas se aventuram em ir vender nas ruas, pois a maioria já precisa trabalhar confeccionando novas peças para serem comercializadas na próxima feira. Os que permanecem com as vendas são apenas as lojas de fábrica e algumas lojas informais de produção doméstica, que ficam às margens da PE-160.

Há na localidade, também, a iniciativa privada de empresários para a construção de um centro comercial que conta com dois andares, compostos de espaços para pequenas lojas de roupas, porém, no momento, não há interesse dos diversos vendedores que se localizam no acostamento da rodovia, pois estes ainda não possuem condições financeiras para pagar aluguel e outras despesas.

Nos anos 2000, foi inaugurado o Moda Center, com a venda de mercadorias nos boxes, para quem é proprietário ou pode pagar o aluguel. Entretanto, cabe destacar que, nos fundos do Moda Center, existe um espaço chamado Calçadão (antigo poeirão), para feirantes que não possuem condições financeiras de comprar um box ou de pagar aluguel. Este espaço é mantido pela Prefeitura Municipal de Santa Cruz e os feirantes pagam apenas uma pequena taxa.

A pesquisa

As entrevistas foram realizadas durante os meses de outubro, novembro e dezembro de 2021, com costureiras/os do Distrito de Pão de Açúcar, que é o segundo distrito da Cidade de Taquaritinga do Norte, localizada no estado de Pernambuco. O objetivo da pesquisa foi analisar os impactos que a pandemia do Covid-19 causou na vida de proprietárias/os e no trabalho de pequenas facções de produção doméstica, assim como na forma de comercialização das confecções deste distrito. Cabe salientar que no ano de 2020, realizamos uma pesquisa com esse mesmo objetivo na cidade de Santa Cruz do Capibaribe (Corteletti & Milanês, 2021), onde percebemos que a pandemia teve impactos um pouco diferentes, mas que, devido às normas de distanciamento social que levaram ao fechamento do Moda Center, também foi possível identificar um retorno para as vendas nas ruas, como forma de obtenção de alguma renda para enfrentar o momento de crise econômica e pandêmica. Metodologia que vem se repetindo até a atualidade, nos dias de feiras em Pão de Açúcar.

Participaram da pesquisa 14 pessoas, sendo 12 do sexo feminino e 2 do sexo masculino, com idade entre 19 e 44 anos. A metodologia utilizada foi a aplicação de um questionário, com questões quantitativas e qualitativas, o qual foi aplicado via WhatsApp. O instrumento investigativo foi organizado com um total de 23 perguntas, divididas em três partes: da 1ª até a 8ª, eram perguntas relacionadas ao perfil identitário; da 9ª à 17ª, sobre a organização do trabalho nas pequenas facções; e da 18ª à 23ª, sobre como a pandemia afetou as condições de trabalho em geral. As respostas foram enviadas pelos entrevistados/as por meio de mensagens de voz e texto, que em seguida foram transcritas.

Durante os meses citados, conversamos com alguns vizinhos que se disponibilizaram para participar da pesquisa e responder ao questionário, e estes nos forneceram também contatos de alguns familiares de amigos próximos. A bolsista que trabalhou nesta pesquisa reside em Pão de Açúcar, o que facilitou a realização das entrevistas. Verificamos que alguns entrevistados não moravam na localidade em questão, antes do mês de março do ano de 2020 (antes da pandemia). Quando iniciou a quarentena da Covid-19, para evitar aglomerações, os centros comerciais como o Moda center, em Santa Cruz Do Capibaribe, e o Parque das Feiras, em Toritama, fecharam, então, em suas localidades de origem, o trabalho, como a costura, se tornou escasso, por conta da pouca movimentação de matérias primas necessárias nas confecções e diminuição das vendas. Assim, muitas famílias que desde cedo trabalhavam com confecções mudaram-se para Pão de Açúcar, como necessidade de reprodução social e biológicas das famílias.

Alguns entrevistados/as citaram o uso do auxílio emergencial fornecido pelo governo federal para suprirem as necessidades básicas, enquanto não recebiam as peças de seus fornecedores. Durante as entrevistas, também pudemos perceber que 100% das pessoas começaram ou ainda trabalham como terceirizados, sendo perceptível também que alguns possuem o objetivo de começar a costurar suas próprias mercadorias, ou seja, de criar uma marca própria. Essa é uma tendência bem comum na região do Polo, pois existe a reprodução de uma cultura voltada para o autoempreendodorismo. Assim todos querem colocar uma marca própria e trabalhar por conta, ainda que passem a utilizar a informalidade e terceirização como estratégia de diminuição dos custos com a força de trabalho.

A costura na região é algo de fundamental importância, pois, como a população do local é formada principalmente por famílias de baixa renda e com pouca escolaridade, a costura é a atividade ocupacional mais rentável para a sobrevivência, como cita uma das entrevistadas: “aprendi por necessidade e onde eu morava só tinha a costura como renda. (...) Meus pais que me deram minhas primeiras máquinas de costura onde aprendi sozinha a costurar” (Entrevistada, 2021). Geralmente, as facções de costura começam apenas com uma máquina de costura emprestada e com a vontade de ganhar um pouco mais, principalmente por iniciativa das mulheres que, por conta dos afazeres domésticos e dos cuidados com os filhos e demais familiares, preferem não enfrentar jornadas de trabalho fora de suas casas. Nos dias atuais, com o avanço das provedoras de internet nos sítios e em povoados mais desenvolvidos, tornou-se ainda mais fácil encontrar um fornecedor de peças para costura através de grupos online, bem como para realização da venda e/ou troca de mercadorias, grupos estes que servem também para a venda de máquinas de costura usadas; então, com um pequeno investimento, uma pessoa que queira se tornar um costureiro/a terceirizado/a começa sua jornada.

Um ponto importante é que, dentre os entrevistados, não há distinção de gênero na atividade, ou seja, como a principal prática econômica do distrito é a costura, então desde cedo homens e mulheres trabalham em suas casas ou em fabricos no ramo das confecções. Em uma das entrevistas, quando perguntado sobre quando começou a costurar, Rejane, que foi um dos entrevistados, disse: “eu tinha 14 anos e estou com 19”. “Eu acho que faz uns 5 anos que eu trabalho costurando em facção” (Entrevistada, 2021), enquanto outra entrevistada disse: “Trabalho com facção desde criança” (Entrevistada, 2021), o que é uma realidade principalmente para famílias que trabalham em conjunto na facção domiciliar. Observamos que, enquanto os adultos trabalham nas máquinas de costura, as crianças brincam e ajudam no acabamento das peças, como, por exemplo, quando tiram as pontas de linhas e separam os tamanhos de roupa, ou quando já sabem contar as peças. Ainda se referindo ao período da pandemia, a entrevistada acrescentou “antes dela eu só estudava e não tinha tempo para trabalhar” (Entrevistada, 2021), mostrando que a maioria dos jovens da localidade também estudam para conquistar seus objetivos e usam a costura para se manter e ajudar suas famílias nas horas vagas. Durante as aulas remotas, muitos estudantes participavam das aulas ao mesmo tempo em que costuravam.

A prática do trabalho terceirizado domiciliar é muito comum em todas as cidades, distritos e sítios que ficam ao redor do Polo do Agreste Pernambucano, pois, como disse uma das entrevistadas: “facilita o dia a dia porque você pode ficar costurando e cuidar da casa ao mesmo tempo, enfim, é mais prático, embora que às vezes não tem hora para parar, mas é mais cômodo trabalhar em casa” (Entrevistada, 2021). Já outros se utilizam do planejamento diário para cumprir as metas diárias ou semanais de costura. Os costureiros e costureiras da região costumam trabalhar para vários fornecedores ao mesmo tempo, já que a maioria das marcas que optam por terceirizar o processo são marcas pequenas ou iniciantes no ramo.

A terceirização começa no processo de corte. Existem pequenos negócios para corte de modelos como camisas masculinas, blusas femininas, vestidos infantis e adultos, lingeries e jeans. Caso precise de alguma estampa ou bordado, as peças vão para outra facção especializada nesse tipo de atividade, que também trabalha como terceirizada. Depois de bordados e estampados, os cortes irão até outra facção, a depender do tipo de máquina necessária para esse processo. Com isso, pode terceirizar novamente a etapa do processo para uma outra pessoa ou facção domiciliar e, no fim, quando as peças já estão costuradas, são encaminhadas para outra facção responsável por dar o acabamento. Somente nesta etapa as peças de roupas chegarão até os fornecedores que vendem nos polos comerciais da região como, por exemplo, no Moda Center, em Santa Cruz do Capibaribe, e então, após a venda e recebimento do valor pelas mercadorias na próxima semana, todo esse processo é feito novamente, agora com outros modelos e outras cores de tecidos. Ou seja, é possível verificar a existência de uma rede de terceirização bem expressiva no trabalho do distrito estudado e na região.

Nas entrevistas, todos afirmaram que recebem entre um e dois salários mínimos e que, durante a pandemia, diminuiu bastante, fazendo com que alguns passassem a realizar não apenas a costura das peças, mas também o acabamento, para aumentarem seus rendimentos. Segundo Cristina, “foi tanto que eu tive que pegar umas peças para arrumar, sabe? (...) eram bem trabalhosas as peças para arrumar e ganhava muito pouco não recompensava nada, mas como era o que tinha ou era pegar ou era largar então eu peguei essas peças para arrumar” (Entrevistada, 2021).

Para outra confeccionista a pandemia afetou significativamente sua vida laboral. Ela passou um tempo desempregada. Nas palavras da entrevistada,

Me deixou desempregada por muito tempo (...) Antes da pandemia eu trabalhava bem, ganhava bem. Eu tinha dois empregos, eu trabalhava em um à tarde, e à noite eu fazia serão em outra facção (mas eu parei com isso, porque trabalhar demais mata). No ano de 2021, eu consegui um emprego, mas eu não estava ganhando bem, então eu tive que mudar de lugar e até então eu estou aqui (...) agora trabalho como terceirizada. Eu só fui lá e conversei com a dona da facção e ela mandou eu ir e eu estou trabalhando lá até agora, o que foi muito bom porque eu estava desempregada. (Entrevistada, 2021)

Todos/as os/as entrevistados/as recebem por produção, então, quanto mais costurarem na semana, mais recebem, podendo, assim, para que consigam bater suas metas semanais, trabalharem em média mais de 12 horas por dia. Durante as entrevistas, pudemos perceber também a variedade de peças que os entrevistados costumam costurar e isso também reflete no retorno monetário, pois, quanto mais dificultosos os modelos, mais caros se tornam para ser costurados, em relação aos modelos simples. Por exemplo, um vestido longo com poucos detalhes pode render 3 reais. Um vestido curto com uma modelagem e costura mais dificultosa pode render até 5 reais. Já a costura de roupas íntimas costuma ser mais barata, chegando à escala de centavos por peça costurada.

Nos meses iniciais do ano, os costureiros/as sempre reclamam do baixo movimento de mercadorias, pois, com as férias escolares, as famílias costumam viajar para o litoral, então, para que não se apertem, os costureiros/as da região sempre gostam de economizar um pouco para equilibrar os primeiros 3 meses do ano, que geralmente a produção fica em baixa. Alguns costureiros/as da região sempre procuram empreender em outra área para que, quando as costuras diminuírem, tenham um plano B para trabalhar e complementar suas rendas. A exemplo disso, uma das entrevistadas revelou que, além de costureira nas horas vagas, faz bolos e salgados para festas de aniversário.

Quanto à saúde emocional e física, os entrevistados/as se queixaram de dores na coluna e estresse devido à preocupação com o financeiro. Em relação ao emocional, uma das entrevistadas falou: “O emocional acho que vai demorar um pouco para voltar a ser como antes… ou até sentirmos a liberdade de saber que tá tudo bem, pois esse vírus acabou com muitas coisas, destruiu muitos sonhos, levou muitas pessoas consigo” (Entrevistada, 2021). Enquanto para outra entrevistada:

O emocional tá tranquilo graças a Deus e de sentir dor a pessoa sente, todo mundo sente dor nas costas de passar tanto tempo sentado aí fica as costas doendo, as pernas cansam. (...) Me sinto emocionalmente cansada, com cãibras e dores na coluna. (Entrevistada, 2021)

Além dos problemas emocionais relacionados à pandemia e às dificuldades financeiras, observamos nas entrevistas muitas queixas com relação a dores na coluna, braços e quadril, devido ao fato das costureiras/os ficarem muito tempo sentadas em uma mesma posição trabalhando nas máquinas.

Diante disto, fica claro que a pandemia afetou significativamente as pessoas que trabalham com confecções, tanto o lado financeiro quanto o lado emocional. As confeccionistas esperam que o comércio melhore para que haja um melhor retorno no movimento financeiro, pois recebem por produção de peças costuradas e não por dia trabalhado e, com o aumento do custo de vida no Brasil, só o que resta é esperar e lutar por um futuro melhor, com mais saúde e segurança financeira e emocional, que tenhamos sempre as vacinas do SUS, que haja a cura para da covid-19 e outras doenças e que todos possam viver mais livres, com menos trabalho e despreocupados com o amanhã.

Considerações finais

Através dos estudos no Polo constatamos que o empreendedorismo informal é bem conhecido nos principais municípios do Polo que são Santa Cruz do Capibaribe, Caruaru e Toritama, mas atinge também vários outros municípios e distritos da região, como é o caso de Pão de Açúcar. Através das entrevistas com as costureiras, ficam evidentes algumas das principais características do trabalho em facções domiciliares. A informalidade e a terceirização assumem diversas configurações e são vistas como uma forma de ganhar uma rentabilidade maior, uma vez que o proprietário/a do negócio não precisa pagar impostos e nem direitos sociais aos/às trabalhadores/as. Constatamos que, no local, existe um forte pensamento entre os moradores, no sentido de buscar ser empreendedor de si mesmo. A maioria das pessoas que trabalha com costura, quando aparece uma oportunidade, coloca sua própria facção ou fabrico e sonha em criar uma marca própria para ter mais liberdade e autonomia no trabalho.

Observamos que essas formas de trabalho estão imbricadas e se retroalimentam, através de uma rede de terceirização e subcontratação. Constatamos também a importância das relações de parentesco e vizinhança, e de como, dentre os laços de amizade, a confiança é um elemento central nas relações de trabalho. De modo geral, todos os moradores da cidade trabalham com atividades relacionadas à costura e os jovens desde pequenos já são incentivados a se envolver na produção familiar de roupas e/ou na comercialização.

Segundo as mulheres faccionistas entrevistadas, o trabalho informal domiciliar possibilita mais autonomia no cotidiano de trabalho, uma vez que conseguem conciliar o trabalho produtivo das confecções com o trabalho reprodutivo relacionado aos cuidados com a educação e alimentação dos filhos, filhas e marido, bem como com as compras, organização e limpeza da casa. Ficam sobrecarregadas de atividades, mas ainda assim consideram que possuem uma maior autonomia no trabalho domiciliar.

Verificamos que durante a pandemia, os desafios para essas trabalhadoras foram enormes, tanto do ponto de vista financeiro quanto do emocional devido ao medo de contrair a doença e incertezas com o futuro. Com o fechamento dos centros comerciais, a alternativa encontrada pelas costureiras foi vender suas mercadorias em locais abertos, ou seja, nas ruas. A dinâmica atual de comercialização de confecções no distrito de Pão Açúcar lembra a origem do desenvolvimento do Polo, onde as negociações e vendas eram realizadas nas ruas e bancos de feiras populares, que ficaram conhecidas como Feiras da Sulanca. Percebemos que, de acordo com o crescimento das atividades de confecções, existe uma tendência de o distrito de Pão de Açúcar se tornar um município e repetir, em parte, a história socioeconômica de cidades como Santa Cruz do Capibaribe, onde as vendas chegaram a ocupar grande parte das ruas da cidade, o que gerou a necessidade de construção de espaços específicos para comercialização das roupas produzidas.

Por fim, é importante perceber que a informalidade e a terceirização nas pequenas facções domiciliares são formas de trabalho flexível que mesmo precárias representam uma estratégia de reprodução social que envolvem aspectos econômicos, mas também sociais, culturais e simbólicos presentes na da realidade vivenciada pelas famílias locais, situadas em uma região periférica e marcada pela pobreza e grandes secas. Sendo assim, torna-se importante o olhar atendo para captar a complexidade dos conceitos e como se relacionam na realidade estudada, ou seja, na forma de organização do trabalho, na forma de produzir as confecções e no modo de vida de mulheres e homens que fazem a história do Polo de Confecções do Agreste Pernambucano e dos distritos e municípios da região.


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Sobre os autores

Roseli De Fátima Corteletti (roselicortel@yahoo.com.br) es doutora em Sociologia pela UFPB, Professora na Unidade Acadêmica de Ciências Sociais da UFCG e membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, Desenvolvimento e Políticas públicas – TDEPP. Assessora de Pesquisa do Centro de Humanidades da UFCG (ORCID 0000-0002-0277-3344).

Êmilys Thaynara Dos Santos Silva (emilys.santos@eq.ufcg.edu.br) es estudante do Curso de Engenharia Química da UFCG, membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, Desenvolvimento e Políticas Públicas – TDEPP. Bolsista de monitoria na disciplina de Sociologia Industrial.




Recebido: 24/05/2022

Aceito: 27/06/2022









Como citar este artigo

Corteletti, R. F. & Silva, E. T. (2022). Informalidade, terceirização e pandemia: um estudo com costureiras de Pão de Açúcar-PE. Caleidoscopio - Revista Semestral de Ciencias Sociales y Humanidades, 26(47). https://doi.org/10.33064/47crscsh3721











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